A descoberta de novas espécies é um acontecimento extraordinário. E raro. Para além do feito em si, identificar um ser vivo pela primeira vez, relembra-nos que o mundo vivo está cheio de mistérios por desvendar. No mês passado foi anunciada a descoberta de uma nova orquídea na ilha de Madagáscar. É uma orquídea especial — a flor é pequena, apenas com 2 cm de diâmetro, mas tem um tubo floral invulgarmente comprido. O tubo mede 33 cm, cerca de um palmo e meio, e é o o terceiro maior tubo floral conhecido no reino vegetal. Surpreendente para uma flor tão pequenina.
Um tubo floral tão comprido não é só surpreendente como necessita de um insecto igualmente surpreendente para a polinizar. Os insectos promovem a fertilização porque quando se encostam à flor para sugar o néctar que existe no fundo dos tubos florais, o pólen “cola-se” aos seus corpos. Depois transportam o pólen para outras flores quando aí forem beber o néctar. Para sugar o néctar, os insectos usam um apêndice que têm na boca — a probóscide. Ou seja, um tubo floral tão comprido obriga a que um inseto polinizador tenha um apêndice na cabeça igualmente comprido!
Para descobrir quem é o polinizador desta nova orquídea, os investigadores montaram armadilhas dotadas de câmaras de filmar para tentarem observar a polinização, mas até agora não conseguiram identificar o polinizador. Mas já têm dois candidatos — duas borboletas nocturnas que vivem na região e que têm probóscides suficientemente longas.
Chamaram a esta orquídea Solenangis impraedicta, numapiscadela de olho à história de uma outra orquídea de Madagáscar que fascinou Charles Darwin. Darwin estudava orquídeas em detalhe. Um colega dele enviou-lhe uns exemplares de Angraecum sesquipedale, uma orquídea com um tubo muito longo, 30 cm. O maior que ele já tinha visto. Isto passou-se em 1862 e embora nunca tivesse sido descrito um insecto com uma probóscide tão longa, Darwin deduziu que teria que haver um insecto assim para poder fertilizar tal planta. Esta conclusão foi recebida com muitas dúvidas, e foi até motivo de chacota, entre a comunidade científica da época, mas 45 anos mais tarde, já após a morte de Darwin, foi descoberto o insecto em causa — uma borboleta nocturna a que foi dado o nome de Xanthopan morganii praedita, numa alusão ao facto de ter sido feita praedita por Darwin. Desde então descobriram-se mais alguns casos de tais duplas, formadas por orquídeas de longo tubo floral e insectos polinizadores com longas probóscides. São fenómenos de co-evolução, a adaptação de duas espécies uma à outra — neste caso, de uma flor e o o seu polinizador.
O lado trágico desta história é que apesar de esta orquídea ter sido descrita há pouco tempo, ela está em risco de extinção. A destruição de habitats causada pela atividade mineira na região e a colheita ilegal de plantas para o comércio internacional ameaçam as orquídeas desta região — 767 das 913 espécies de orquídeas que existem em Madagáscar estão em perigo. Por causa disto mesmo, foram tomadas várias medidas de proteção. A descoberta desta nova espécie pelos cientistas ocorreu na verdade há 15 anos, mas só recentemente foi divulgada para dar tempo de pôr em prática certas medidas de precaução, como a conservação de sementes e o seu cultivo noutros locais. Além disso, a localização exacta destas orquídeas não foi divulgada publicamente. Parece quase um daqueles programas de segurança de testemunhas da polícia, mas… mais vale prevenir.