Uma orquídea especial 

crédito da imagem: Marie Savignac

A descoberta de novas espécies é um acontecimento extraordinário. E raro. Para além do feito em si, identificar um ser vivo pela primeira vez, relembra-nos que o mundo vivo está cheio de mistérios por desvendar. No mês passado foi anunciada a descoberta de uma nova orquídea na ilha de Madagáscar. É uma orquídea especial — a flor é pequena, apenas com 2 cm de diâmetro, mas tem um tubo floral invulgarmente comprido. O tubo mede 33 cm, cerca de um palmo e meio, e é o o terceiro maior tubo floral conhecido no reino vegetal. Surpreendente para uma flor tão pequenina. 

Um tubo floral tão comprido não é só surpreendente como necessita de um insecto igualmente surpreendente para a polinizar. Os insectos promovem a fertilização porque quando se encostam à flor para sugar o néctar que existe no fundo dos tubos florais, o pólen “cola-se” aos seus corpos. Depois transportam o pólen para outras flores quando aí forem beber o néctar. Para sugar o néctar, os insectos usam um apêndice que têm na boca — a probóscide.  Ou seja, um tubo floral tão comprido obriga a que um inseto polinizador tenha um apêndice na cabeça igualmente comprido!

Para descobrir quem é o polinizador desta nova orquídea, os investigadores montaram armadilhas dotadas de câmaras de filmar para tentarem observar a polinização, mas até agora não conseguiram identificar o polinizador. Mas já têm dois candidatos — duas borboletas nocturnas que vivem na região e que têm probóscides suficientemente longas. 

crédito da imagem: Marie Savignac

Chamaram a esta orquídea Solenangis impraedicta, numapiscadela de olho à história de uma outra orquídea de Madagáscar que fascinou Charles Darwin. Darwin estudava orquídeas em detalhe. Um colega dele enviou-lhe uns exemplares de Angraecum sesquipedale, uma orquídea com um tubo muito longo, 30 cm. O maior que ele já tinha visto. Isto passou-se em 1862 e embora nunca tivesse sido descrito um insecto com uma probóscide tão longa, Darwin deduziu que teria que haver um insecto assim para poder fertilizar tal planta. Esta conclusão foi recebida com muitas dúvidas, e foi até motivo de chacota, entre a comunidade científica da época, mas 45 anos mais tarde, já após a morte de Darwin, foi descoberto o insecto em causa — uma borboleta nocturna a que foi dado o nome de Xanthopan morganii praedita, numa alusão ao facto de ter sido feita praedita por Darwin. Desde então descobriram-se mais alguns casos de tais duplas, formadas por orquídeas de longo tubo floral e insectos polinizadores com longas probóscides. São fenómenos de co-evolução, a adaptação de duas espécies uma à outra — neste caso, de uma flor e o o seu polinizador. 

O lado trágico desta história é que apesar de esta orquídea ter sido descrita há pouco tempo, ela está em risco de extinção. A destruição de habitats causada pela atividade mineira na região e a colheita ilegal de plantas para o comércio internacional ameaçam as orquídeas desta região  — 767 das 913 espécies de orquídeas que existem em Madagáscar estão em perigo. Por causa disto mesmo, foram tomadas várias medidas de proteção. A descoberta desta nova espécie pelos cientistas ocorreu na verdade há 15 anos, mas só recentemente foi divulgada para dar tempo de pôr em prática certas medidas de precaução, como a conservação de sementes e o seu cultivo noutros locais. Além disso, a localização exacta destas orquídeas não foi divulgada publicamente. Parece quase um daqueles programas de segurança de testemunhas da polícia, mas… mais vale  prevenir.

Só mais um biscoitinho! Ou um pacote deles.

Há cães que gostam de comida. E há cães que ADORAM comida. Dizem os entendidos que os campeões do apetite são os cães da raça Labrador retriever. De tal forma que a sua larica é tema de investigação. 

crédito da imagem: University of Cambridge

O interesse por comida dos labradores retriever e o excesso de peso daí resultante está associado a uma variante de um gene — o gene POMC. Os labradores que têm esta variante genética não comem mais às refeições do que os cães com outras variantes. O que acontece é que têm mais apetite entre refeições e gastam menos energia em repouso. Curiosamente, esta variante é mais frequente em labradores que são cães de assistência — possivelmente por gostarem muito de comer, são mais facilmente treináveis e por isso escolhidos para serem cães de assistência.   

Esta mutação não é comum na generalidade dos cães. Antes pelo contrário. A mutação só foi encontrada numa outra raça, os flat coated retriever. O último estudo feito encontrou esta mutação em 1/4 dos labradores  e em 2/3 dos flat coated retriever.  Os labradores e os flat coated retrievers são raças próximas — ambas descendem dos cães de água de St John’s, uma raça de cães de trabalho que auxiliavam os pescadores da Terra Nova e que desapareceu nos anos 80. 

Possivelmente seria uma vantagem para os cães pescadores na águas geladas da Terra Nova terem um grande apetite, metabolismo baixo, e alguma tendência a engordar. Se calhar, os pescadores também favoreciam os cães que gostavam mais de comida porque os podiam treinar facilmente. Só que, hoje em dia, muitos destes cães não são cães de trabalho e estas características já não são tão vantajosas. Pelo contrário, o excesso de peso nestes cães está associado a problemas de saúde. Neste caso, a genética e o ambiente estão interligados — não são as variantes genéticas que fazem os labradores engordar, mas antes o facto destas variantes serem mantidas num ambiente de comida à descrição.

A criação e apuramento das raças animais tem destas consequências — ao mesmo tempo que se tenta manter características consideradas interessantes, podem ser mantidas outras menos úteis. As raças são frequentemente descendentes de poucos cães, trazendo a bagagem genética deles. E depois, como se deseja manter as características das raças, estes são cruzados entre si. Não só há pouca diversidade genética, como há um risco de receber variantes genéticas menos interessantes do lado do pai e do lado da mãe. 

Agora que penso nisso, acho que a minha cadela Nina deve ser arraçada de cães da Terra Nova. Logo que acaba de comer olha para nós esperançosa, não vá a gente ter mais um biscoitinho para lhe dar. E quem diz um biscoitinho, diz um pacote deles.  

* Esta variante genética também existe em humanos e está associada a alguns casos de desenvolvimento de obesidade.

Camembert, adeus!

Os franceses afirmam com orgulho que a França tem mais de mil variedades de queijo. Muitos são famosos — Brie, Roquefort, Emmental, Chevrotin,… — , mas o mais famoso de todos é o Camembert. Mas há um problema: é possível que o  Camembert, pelo menos como o conhecemos — branquinho, cremoso e com a casquinha branca —, venha a desaparecer. Para fazer Camembert são usados uns fungos especiais, e estes fungos estão em risco de extinção.

imagem: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Camembert_(Cheese).jpg?uselang=fr

Para fazer queijo, o leite é primeiro fermentado por bactérias e depois coagulado e coado. No caso de certos queijos, como o Camembert, são também usados fungos. Tanto as bactérias como os fungos usados influenciam  o aspeto, a textura, o aroma e o sabor do queijo, e são determinantes para o produto final*. Excepto em raros casos pontuais, na produção de queijo são usadas culturas de bactérias e de fungos de variedades conhecidas. Isto garante obter o resultado desejado consistentemente e evitar contaminações. 

Só que há um reverso da moeda. Seleccionar e manter só certas variedades leva à perda da diversidade da população. E é precisamente isso que está a acontecer com os microrganismos que são usados para fazer alguns queijos, incluindo o mundialmente famoso Camembert.

Para produzir Camembert, Brie e mais alguns queijos parecidos usa-se um fungo chamado Penicillium camemberti **.  A capa branca distintiva destes queijos é feita de fungo. Desde o final do século XIX, início do século XX, que é usada a mesma variedade de Penicillium camemberti para fazer estes queijos. É uma variedade mutante que apenas produz colónias brancas — daí a casca sempre branquinha.

Embora este mutante produza aquela capinha tão apreciada, tem sido cada vez mais difícil manter este fungo “em cativeiro”. Logo de início o mutante não se cruzava com outros fungos e só podia ser mantido propagando clones. Depois, ao longo dos anos, a variedade foi acumulando pequenas mutações no material genético que a tornou muito difícil de manter, alertou o CNRS, instituição de investigação estatal francesa no mês passado. Isto coloca estes queijos em riscos de extinção. Possivelmente a industria vai começar a usar outros fungos para fazer estes queijos. Um candidato é o Penicillium biforme, um fungo parecido, mas com muito maior diversidade genética. Se assim for, isso vai ocasionar novidades de textura, cor e sabor ao queijo. Será que vêm aí os Camemberts do século XXI?

* Por exemplo, as bactérias usadas para a produção do queijo Emmental libertam certos gases durante a fermentação, o que dá origem aos característicos buracos deste queijo.

A biologia, a evolução, e os currículos escolares

Acho que a biologia é a ciência mais bonita. A minha opinião não é objetiva ou isenta. Para mim, não existe nada mais fascinante que o estudo da vida — dos ecossistemas, aos organismos e ao funcionamento das células. Mais bonita ainda é a a biologia vista numa perspectiva evolutiva — reconhecer que o mundo vivo de hoje é resultado de milhares de anos de evolução, de ancestrais que se diversificaram, se adaptaram, se extinguiram, que migraram. E é esta evolução a partir de um ancestral comum que faz com que os seres vivos sejam todos parte de uma grande família — frequentemente ilustrada por uma árvore da vida.

Seria de esperar, uma vez que a evolução é a base da biologia, que a evolução fosse a base para a biologia ensinada nas escolas. Espantosamente, não é. Pelo contrário, a evolução é abordada como uma subdisciplina da biologia, frequentemente remetida para um “cantinho” dos programas escolares. É uma pena. Seria tudo mais simples e possivelmente mais intuitivo. Acaso não seria mais interessante se, por exemplo, quando no 6º ano se ensinam os aparelhos digestivos dos humanos, aves, e ruminantes, estes fossem apresentados num contexto evolutivo? Poderia desse modo explicar-se a partilha de certas características e a existência de características únicas em cada grupo. E como será possível que se aborde a diversidade da vida, o aparecimento de novas espécies, a resistência a antibióticos, entre tantos outros temas, senão numa perspectiva evolutiva? 

Mas, infelizmente, não é só em Portugal que isto acontece. Uma análise dos currículos escolares de vários países da Europa e Israel mostra que o cenário não é animador.  No geral, os currículos escolares até ao 10º ano incluem menos de metade dos conceitos considerados importantes para literacia em evolução. Apesar de diferentes países atribuirem um diferente peso a diferentes temas*, dos 35 conceitos considerados importantes, em média são abordados 16. Os currículos que cobrem mais destes conceitos são o de Inglaterra (34) e o a da Hungria (31). No extremo oposto, temos Chipre com 8 e a Bélgica com 6. Portugal aborda 15. Menos de metade. Não direi que é o mais preocupante, mas pelo menos igualmente mau é o facto de apenas 7 dos 19 currículos analisados incluirem aplicações da evolução no dia a dia — e são tantas, desde a preservação das espécies, lidar com bactérias resistentes a antibióticos, prever epidemias. É que muitos problemas que nos afetam estão associados a processos evolutivos, e as soluções para os resolver devem ter em conta a evolução .

O Ministério da Educação, em declarações ao Público, afirma que está a ser preparado um estudo sobre os princípios orientadores dos currículos legislados em 2018, e que este os resultados desse estudo poderão levar a “eventuais alterações ao currículo”. Esperemos que sim.

* por exemplo, os currículos portugueses dão mais ênfase a conceitos associados às evidências da evolução, enquanto que os currículos sérvios dão mais importância à história da vida. 

crédito da imagem: Mavrikaki et al. (2024) DOI:10.1080/09500693.2023.2293090

A ação dos humanos sobre evolução das espécies nos dias que correm

A evolução das espécies não é necessariamente lenta. Pode ser até bastante rápida, principalmente se houver mudanças no ambiente — provavelmente ouvimos na escola a história das borboletas em Inglaterra que antes da revolução industrial tinham uma cor semelhante às cascas das árvores onde pousavam, e que depois da revolução industrial passaram a ter uma cor mais escura, o que lhes permitia continuar camufladas nas cascas das árvores que estavam mais escuras devido à poluição atmosférica. A espécie tinha-se adaptado à mudança em relativamente poucas gerações. Há exemplos mais recentes: espécies de peixe sujeitas a sobrepesa que atingem a maturidade mais jovens, plantas que se tornam mais tolerantes aos metais pesados em zonas de minas….O número de casos conhecidos é bastante grande — uma base de dados criada para compilar investigações sobre casos de evolução “rápida” já contém mais de 7 mil casos, e continua a crescer. 

Uma compilação de exemplos desta natureza permite estudar o conjunto e tentar ver padrões, perceber o que os vários casos têm em comum. A pergunta importante que colocamos é sempre: qual é o papel da ação humana nestas taxas de evolução; estaremos a acelerar a evolução? E sim…a última análise, que foi publicada esta semana, confirma: a taxa de evolução é ligeiramente maior em ambientes com perturbações humanas do que em ambientes “naturais”, a colheita/pesca são das perturbações que mais afeta a taxa de evolução,  e as populações introduzidas num local novo têm também uma taxa de evolução mais rápida. Estes resultados eram os esperados, mas não deixa de ser assustador ver o impacto que temos no planeta.

Crédito da imagem: Andrew Hendry, McGill University

Os extintos cães lãzudos do Noroeste Americano

“They were told they couldn’t do their cultural things. There was the police, the Indian Agent and the priests. The dogs were not allowed. She had to get rid of the dogs.” 

Stólō Elder Rena Point Bolton

         

Até aos finais do século XIX, os Povos Indígenas de Coast Salish, na costa Nordeste do Pacífico, criavam cães lãzudos e usavam o pelo para tecer mantas e tapetes. Só que esta tradição, como outras tradições destes Povos, foi destruída à força, os cães extinguiram-se, e hoje em dia só restam histórias e algumas mantas  em museus. Os registos são tão escassos que havia quem defendesse que a existência destes cães brancos peludos não passava de um mito, ou que a tradição desapareceu por desinteresse dos próprios Povos Indígenas. Uma investigação recente mostrou o contrário.

Reconstrução forense feita a partir da pelagem de museu. credito: Karen Carr.

A análise genética do único vestígio conhecido destes cães — a pele de um cão que se chamava Mutton que se encontra no museu nacional de história natural em Washington — combinada com entrevistas a elementos das populações nativas da região e com a análise de registos históricos  permitiu reconstruir um pouco da história destes cães e desta tradição. O estudo genético mostrou claramente que estes animais não eram um mito, mas sim um tipo especial de cães —  pertenciam a uma linhagem muito antiga de cães, distinta dos cães europeus e sem contacto com estes há 4000 anos. A análise genética confirmou também que teriam um um sub-pêelo especialmente encaracolado.

As entrevistas revelaram que os vários povos desta região tinham nomes distintos para esta variedade de cães, diferentes  dos outros tipos de cães. Os cães lãzudos eram propriedade das mulheres e eram estas que cuidavam deles, os tosquiavam, e que fiavam a lã e teciam as mantas. Estes cães eram propriedade preciosa, ter estes cães e estas mantas era um sinal de riqueza. Os cães lãzudos eram tão especiais que eram separados dos cães de caça e dos cães de aldeia, para impedir que se cruzassem com estes e se perdesse a pelagem especial que os caracterizava  — em alguns casos, os cães lãzudos eram mesmo mantidos em ilhas perto da costa.

Os povos de Coast Salish não constituem uma comunidade única, reunem várias nações e tribos da região de Vancouver, no Canadá, e do estado de Washington, nos Estados Unidos da América. Com a chegada dos colonizadores a esta região, as comunidades nativas foram devastadas pelas doenças infecciosas por eles trazidas e para as quais não tinham resistências. A isto juntou-se uma repressão ativa e fortíssima das  tradições — os missionários retiraram às mulheres o direito à propriedade e eram alguns locais foi proibida a posse destes cães e a prática da tecelagem. Os conhecimentos e as tradições locais e ancestrais também se foram perderam com a diluição dos laços comunitários. Houve casos, já no século XX, em que este processo teve uma expressão radical com políticas que ditaram que as crianças fossem retiradas às famílias e levadas para internatos longe destas.   

Os cães chegaram ao continente americano vindos da Eurásia há 15,000 anos, acompanhando os humanos nas suas migrações. Durante milénios as populações Indígenas do Noroeste Americano mantiveram cães de caça, cães “de aldeia”, e cães lãzudos. Desde meados do século XIX que não há cães lãzudos.  Aos outros “feitos” do colonialismo junta-se a extinção destes cães. Por pouco não apagava também a memória da sua existência.

Manta de Coast Salish adquirida em 1858. Crédito: Smithsonian

Há bactérias gigantes nos mangais das Caraíbas

Aprendemos na escola que as bactérias são unicelulares — cada bactéria é uma só célula — e são tão pequenas que só as conseguimos ver ao microscópio. Por isso, só foram descobertas quando os microscópios começaram a ser construídos. Mas, como tantas coisas na natureza, existem  excepções, são conhecidas umas raras “bactérias gigantes” que têm poucos milímetros. Só que agora, nos mangais das Caraíbas foi descoberta uma bactéria muito mais complexa e muito maior do que qualquer outra conhecida — podem chegar aos 2 centímetros de comprimento. Esta descoberta põe em causa o que se pensava ser o limite para o tamanho de uma célula e até as próprias formas de classificar células.

Magal (Rhizophora mangle). Crédito: barloventomagico (CC BY-NC-ND 2.0)

Estas bactérias “super-gigantes” têm a forma de finos filamentos e foram descobertas há uns anos agarradas a folhas submersas e em decomposição de mangais marinhos, na ilha de Guadalupe nas Caraíbas, pelo biólogo marinho Olivier Gros. O estudo detalhado destes filamentos revelou agora que os filamentos são na realidade bactérias.

Existir bactérias no ambiente de mangais não é surpreendente. Existem bactérias em todos os locais do planeta onde foram procuradas, e em grandes números — no ar, no gelo, na água, nas fontes hidrotermais, até sobre e dentro do nosso corpo. O que foi surpreendente foi o seu tamanho e a sua estrutura. 

O seu estudo microscópico destes filamentos trouxe muitas surpresas. Uma delas foi cada filamento ser uma única célula, e não um aglomerado de células como acontece em algumas bactérias. Trata-se assim a maior célula bacteriana conhecida — o comprimento médio dos filamentos é 9,7 milímetros, muitas vezes os 0,002 milímetros que é o tamanho médio de uma bactéria. As novas bactérias são mais compridas do que uma mosca da fruta.

Além disso, no interior destes filamentos existe um vacúolo, uma espécie de saco, que ocupa ¾ do seu interior. Os investigadores pensam que seja a presença do vacúolo o que permite que a célula atinja grandes dimensões.

As surpresas não pararam aí — dentro de cada filamento viram milhares de moléculas de DNA e estas estão dentro de pequenos compartimentos. Como os investigadores acharam que estas bolsas dispersas dentro das células lembram as sementes nos kiwis, chamaram a esta estrutura “pips”, semente em inglês.

“Por definição”, as bactérias, que têm células procariotas, não têm compartimentos internos e o material genético está disperso no seu interior. Os compartimentos são considerados serem uma das características fundamentais do outro tipo de células — as células eucariotas — que são as células de leveduras, animais, plantas e fungos. As células procariotas terão sido as primeiras surgir na terra, mas há poucas certezas sobre a evolução de procariotas para eucariotas. Como esta bactéria parece ser um caso intermédio, talvez o seu estudo venha ajudar a perceber como é que ocorreu a transição de um tipo para outro.

Apesar da descoberta parecer promissora, é importante sermos cautelosos porque a descoberta ainda não foi revista por cientistas independentes — é ainda uma pré-publicação. Entretanto, os cientistas que a descreveram propuseram um nome para esta nova espécie — Thiomargarita magnifica. Thiomargarita por ser o género de outras bactérias que formam filamentos e vivem em ambientes idênticos, magnífica por ser como é.

Resta a dúvida  — será que as bactérias gigantes são mesmo excepções, ou ainda há mais espécies por identificar?

Mangal na ilha da Guadalupe. Crédito: Gauthier Geoffroy (CC BY-SA 4.0)

Os cavalos domésticos descendem todos de cavalos selvagens do Cáucaso

Os estudos arqueológicos dizem-nos que há entre 4000 e 6000 anos atrás já havia cavalos domesticados em várias regiões da Eurásia — nas estepes da Ásia Central, na Anatólia, na Sibéria e também aqui na Península Ibérica. No entanto, apesar da domesticação de cavalos selvagens ter começado em vários locais, novos dados genéticos mostram que os atuais cavalos domésticos são todos descendentes de cavalos das estepes entre o Mar Negro e o Mar Cáspio. Estes eram cavalos mais dóceis e tinham uma coluna vertebral mais forte do que os outros, o que pode ter sido importante numa altura em que as carroças se estavam a tornar mais comuns na Ásia. Estes cavalos dispersaram-se a partir desta zona e em pouco tempo tornaram-se os cavalos mais comuns desde o Atlântico até à Mongólia.

Cavalos nas estepes (crédito: Ken and Nyetta, CC BY 2.0)

Há algum tempo que vários investigadores têm tentado perceber qual a relação entre as várias populações de cavalos que existiam antigamente na Eurásia e cavalos de hoje em dia. Mas nenhuma investigação indicava qual ou quais eram os “antepassados” dos cavalos modernos.

Recentemente, uma equipa internacional com 162 investigadores de diferentes áreas — arqueologia, paleogenética e linguística — resolveu alargar o estudo. Em vez de só estudar vestígios de cavalos que viveram há 4000-6000 anos, decidiram estudar os vestígios de todas os vestígios que existem de cavalos que viveram em toda a Eurásia entre 50,000 e 200 anos AC.

Os investigadores estudaram o genoma — material genético total — destes 273 cavalos compararam-nos com genomas dos cavalos modernos. Este tipo de estudos permite deduzir como eram os cavalos ancestrais, quais destes podem ter dado origem aos cavalos atuais, e que mudanças ocorreram ao longo do tempo.

Os resultados foram claros: há milhares de anos havia populações distintas de cavalos em diferentes locais da Eurásia, mas a população que vivia nas estepes no norte do Cáucaso começou a dispersar-se há 4000-4200 anos e a substituir outras populações desde o Atlântico até à Mongólia. Além disso, o seu número aumentou brutalmente nos últimos 100,000 anos — o que possivelmente foi resultado da sua criação pelos humanos.

A análise das variantes genéticas destes cavalos do  norte do Cáucaso dá pistas sobre o que os tornava diferentes. Estes cavalos tinham duas variantes de genes que os tornaria mais dóceis, mais resilientes ao stress e uma coluna dorsal mais forte, duas características que parecem muito interessantes em selecionar em animais a domesticar. 

Por coincidência, ou não, estes cavalos surgiram na Ásia ao mesmo tempo que as carroças  e que as línguas indo-iranianas. Talvez tenham viajado todos juntos.

Carruagem de corrida — fresco (crédito: Ilya Shurygin – ancientrome.ru, CC BY-SA 4.0)

Os lobos da Noruega

Os lobos chegaram à Noruega há dez a doze mil anos, mas há cerca de 50 anos os humanos levaram-nos à extinção. Quando, na década de 1980 voltaram a aparecer lobos nessa região, houve quem pensasse que a população de lobos noruegueses tivesse, de alguma forma, recuperado. Infelizmente, não. Um recente estudo genético mostra que os cerca de 400 lobos que vivem atualmente na região fronteira entre a Suécia e Noruega são na verdade descendentes recentes de lobos finlandeses. E, o pior é que, estes lobos estão também em risco de desaparecimento.

Per-Harald Olsen, NTNU

As dúvidas levantadas pelo desaparecimento e reaparecimento de lobos levaram o parlamento norueguês em 2016 a encomendar um estudo sobre a origem dos lobos que vivem na nesta região. O trabalho foi liderado por cientistas da Norwegian University of Science and Technology (NUST) em colaboração com cientistas de outras 35 instituições europeias.

Os investigadores analisaram o genoma, ou seja todo o ADN, de 1300 lobos — lobos da população sueco-norueguesa, lobos de outras populações do mundo, lobos que vivem em jardins zoológicos, e também de antigos exemplares de museu. Isto permitiu determinar as relações entre as várias populações de lobo do mundo e também compará-las com populações que existiram no passado. Os investigadores incluíram também na análise 56 raças de cães. Como os lobos e os cães são tão próximos que se podem cruzar entre si, juntar cães ao estudo permitiria quantificar o cruzamento entre cães e lobos.

O estudo confirmou que a população que existia nesta região até meados de século passado se extinguiu. Os poucos descendentes atuais desta população antiga são lobos que vivem em jardins zoológicos.

A população atual é descendente de lobos do sudoeste da Finlândia — os mais próximos, de acordo com a análise genética—, e que são descendentes de um pequeno grupo de “lobos imigrantes”. Além disso, esta população sueco-norueguesa tem pouca variabilidade genética e um elevado nível de consanguinidade. Nem uma coisa nem outra são boas notícias para esta pequena população de lobos. Hans K. Stenoien, o líder do projeto, considera que “Geneticamente, esta população tem uma maior probabilidade de extinção do que outros lobos Europeus”.

Nem tudo é desanimador. Curiosamente, a análise genética mostra também que, de todos os lobos do mundo, os lobos sueco-noruegueses são os que menos se têm cruzado com cães. Em termos de conservação das populações de lobos, esta é uma boa notícia.

Para alertar para a importância da conservação das populações de lobo, a NUST preparou uma exposição a que chamou “Ulv! Ulv!, — uivos em norueguês, que nós poderíamos traduzir muito livremente por “Aúú! Aúú!”.

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